Simeão, “homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel” e Ana, que “nunca saía do templo”, reconheceram no Menino, que Maria trazia nos braços, a salvação tão esperada. São eles, Simão e Ana, os protagonistas da passagem do Evangelho da Festa da Apresentação do Senhor de hoje (02/02), popularmente conhecida como Festa da Candelária, data na qual se celebra também o XXVIII Dia Mundial da Vida Consagrada, instituído por São João Paulo II em 1997.
Tomando o exemplo dos dois anciãos, no centro da reflexão do Papa Francisco na missa presidida na Basílica de São Pedro, está uma atitude um tanto incomum em nosso tempo: a espera. “Irmãs, irmãos, cultivemos na oração a expectativa pelo Senhor”, disse Francisco em sua homilia, “e aprendamos a boa ‘passividade do Espírito’: assim poderemos nos abrir à novidade de Deus”.
As velas acesas e a procissão
Com a Basílica sem iluminação, os fiéis, em sua maioria homens e mulheres consagrados pertencentes às várias congregações e institutos religiosos, seguram em suas mãos as velas acesas que são abençoadas e, em seguida, a procissão, conduzida pelo cardeal João Braz de Aviz, prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, caminha em direção ao altar. A luz é um símbolo de Cristo, luz dos gentios e salvação para o mundo. O Dia Mundial da Vida Consagrada é uma ocasião de oração e ação de graças por esse chamado especial de Deus, de propagar a luz de Cristo através dos inúmeros carismas dos institutos religiosos.
Perseverar na espera
“Faz-nos bem olhar para esses dois idosos que são pacientes na espera, vigilantes no espírito e perseverantes na oração”, afirmou Francisco no início de sua homilia: Simeão e Ana são dois idosos, mas mantiveram seus corações jovens, apesar das dificuldades e decepções “eles não aposentaram a esperança” e mantiveram viva a expectativa pela vinda do Senhor.
Irmãos e irmãs, a expetativa de Deus é importante também para nós, para o nosso caminho de fé. Todos os dias, nos visita o Senhor: fala-nos, revela-Se-nos de maneira inesperada e há de vir no fim da vida e dos tempos. Por isso, Ele mesmo nos exorta a permanecer despertos, a vigiar, a perseverar na expetativa.
Ai de nós se cairmos no “sono do espírito”, diz o Papa, e “arquivarmos a esperança”. E faz a seguinte pergunta: será que ainda somos capazes de viver a expectativa ou estamos muito presos a nós mesmos e às nossas atividades? Não corremos o risco de “transformar até mesmo a vida religiosa e cristã em muitas coisas a fazer e negligenciar a busca diária pelo Senhor?” E ainda: quanto contam as chances de sucesso em nosso planejamento da vida pessoal e comunitária, em vez da dedicação “à pequena semente que nos foi confiada”, sabendo esperar o tempo de Deus?
A negligência da vida interior
A capacidade de esperar, continua o Papa, é frequentemente prejudicada por dois obstáculos: o primeiro é “a negligência da vida interior”:
Acontece quando o cansaço prevalece sobre o encanto, quando o hábito ocupa o lugar do entusiasmo, quando perdemos a perseverança no caminho espiritual, quando as experiências negativas, os conflitos ou a demora no aparecimento dos frutos nos transformam em pessoas amargas e amarguradas. Não é bom ver uma “cara feia” em uma comunidade, observa Francisco, mas a alegria e o entusiasmo dos inícios são “alimentados pela adoração, pelo trabalho dos joelhos e do coração”.
Adaptação ao estilo do mundo
O segundo obstáculo é “a adaptação ao estilo do mundo que acaba tomando o lugar do Evangelho”. O Papa fala da demanda por “tudo e agora” que caracteriza nosso mundo, o ativismo que nos domina, o consumismo e o entretenimento buscados a todo custo e o silêncio banido de nossos dias. E adverte:
Estejamos atentos para que o espírito do mundo não entre em nossas comunidades religiosas, não entre na vida da Igreja e na caminhada de cada um de nós, caso contrário não produziremos frutos. A vida cristã e a missão apostólica precisam que a espera, amadurecida na oração e na fidelidade cotidiana, nos liberte do mito da eficiência, da obsessão pelo rendimento e, sobretudo, da pretensão de fechar Deus em nossas categorias, porque Ele sempre vem de maneira imprevisível, Ele sempre vem em tempos que não são os nossos e de maneiras que não são aquelas que esperamos.
A “boa passividade” do Espírito
O Papa cita uma frase da mística francesa Simon Weil: “Desejar Deus e renunciar a tudo o mais: nisto apenas consiste a salvação”, convidando os consagrados e as consagradas a aprenderem “a boa passividade do Espírito” para se abrirem “à novidade de Deus”. Assim, o passado se abre para o futuro, o que é velho em nós se torna capaz de acolher o novo. Não é uma passagem fácil, reconhece o Papa, mas é uma passagem necessária e, citando uma passagem escrita pelo Cardeal Carlo Maria Martini, conclui:
De fato, não é fácil para o velho que há em nós acolher a criança, o novo (…). A novidade de Deus apresenta-se como uma criança e nós, com todos os nossos hábitos, medos, temores, invejas, preocupações, temos à nossa frente esta criança. Abraçá-la-emos, acolhê-la-emos, dar-lhe-emos espaço? Esta novidade entrará verdadeiramente na nossa vida ou, ao contrário, tentaremos compaginar velho e novo, procurando deixar-nos perturbar o menos possível pela presença da novidade de Deus?
Deixemo-nos interpelar, deixemo-nos mover pelo Espírito, como Simeão e Ana. Se vivermos, como eles, a expetativa salvaguardando a vida interior e permanecendo coerentes com o estilo do Evangelho, abraçaremos Jesus, luz e esperança da vida, finaliza Francisco.