“Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que ele tinha ressuscitado dos mortos. Ofereceram-lhe lá um jantar. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Jesus. Então Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume.” (Jo 12, 1-3)
Jesus certamente, nós o sabemos, escolheu entre os seus discípulos doze homens para “estarem com Ele e para enviá-los a pregar”. Este fato é evidente mas, além dos Doze, são escolhidas no número dos discípulos também muitas mulheres. Apenas brevemente posso mencionar aquelas que se encontram no caminho do próprio Jesus, a começar pela profetisa Ana até à Samaritana, à mulher sírio-fenícia à hemorroíssa e à pecadora perdoada.
Este episódio do Evangelho de São João passa-se na intimidade da casa de Lázaro e das suas irmãs, enquanto que fora a multidão e as autoridades procuram Jesus para o prender. É um episódio muito bem enraizado na tradição evangélica e por isso corresponde certamente a um acontecimento histórico.
Mais significativas para o nosso assunto são aquelas mulheres que desenvolveram um papel ativo no contexto da missão de Jesus. Em primeiro lugar, o pensamento dirige-se naturalmente à Virgem Maria que, com a sua fé e a sua obra materna, colaborou de modo único para a nossa Redenção, tanto que Isabel pôde proclamá-la “bendita és tu entre as mulheres”, acrescentando: “Feliz de ti que acreditaste” Tornando-se discípula do Filho, Maria manifestou em Caná a confiança total nele e seguiu-o até aos pés da Cruz, onde recebeu dele uma missão materna para todos os seus discípulos de todos os tempos, representados por João.
São Marcos e São Mateus contam o sucedido e como São João colocam o acontecimento na última semana de vida de Jesus. As referências temporais situam o acontecimento antes da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. São Lucas narra um episódio semelhante, mas sem precisar o tempo e num outro lugar. Em São Lucas a unção acontece na Galileia e tem como protagonista uma pecadora.
É neste ambiente de festa que Maria traz uma libra de perfume precioso e com ele unge os pés de Jesus. São João salienta a qualidade e quantidade do perfume e o seu preço extraordinário. Uma libra de perfume equivaleria hoje a 330 gramas e o preço dado pelo cálculo de Judas era de trezentos denários.
Se nos recordarmos que no milagre da multiplicação dos pães os apóstolos reclamam a Jesus a exorbitância de duzentos denários de pão para alimentar a multidão de cinco mil homens que se encontravam com eles, podemos imaginar o valor precioso do perfume com que Maria ungiu os pés de Jesus.
Nos Evangelhos de Marcos e Mateus e ao contrário do Evangelho de João a unção é feita na cabeça. Este gesto pode indiciar uma homenagem devida aos convidados de honra, como que uma consagração da amizade, que no caso de Jesus e na casa de Lázaro era de todo merecida face à restituição à vida deste mesmo. No âmbito do Novo Testamento esta unção assumiu um sentido de investidura messiânica.
Mas com Maria a situação é diferente, e sem qualquer paralelo na literatura judaica, facto que lhe dá um carácter extraordinário e portanto de bastante autenticidade histórica. A surpresa provocada em todos os convidados manifesta também essa mesma autenticidade.
O gesto de Maria pode ser um gesto de puro reconhecimento e agradecimento pelo sucedido a seu irmão, pela amizade demonstrada por Jesus relativamente a Lázaro, a ela própria e à sua irmã. Mas a verdade é que Jesus o interpreta no sentido do seu sepultamento e assim a unção de Maria surge como um contraponto ao banquete que se está a desenrolar. A unção opõe-se à festa, uma vez que o perfume alude à morte.
Esta leitura de Jesus e este contraste deixa subjacente que a vida nova, a vida da festa e do banquete do Reino tem como condição a passagem pela Páscoa de Jesus, pela morte. Contudo, a riqueza do perfume, a sua capacidade de encher toda a casa do seu odor manifesta que a vitória sobre a morte é possível. Será possível nele e com ele.
Acolhendo o gesto de Maria, Jesus mostra a sua liberalidade e liberdade generosas e ainda que não agradeça o gesto, nem fale da generosidade de Maria, como acontece no Evangelho de Marcos, Jesus defende o que aquela mulher acabou de fazer em seu beneficio e beneficio próprio.
Jesus defende Maria e elogia-a porque ela pressente a chegada da hora e nesse sentido antecipa a hora da morte de Jesus, antecipa a sua partida eminente. Com este gesto e com o seu amor Maria comungou intuitivamente e antecipadamente com a Páscoa de Jesus.
A história do cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente, se não houvesse a generosa contribuição de muitas mulheres. Por isso a Igreja rende graças por todas e cada uma das mulheres… A Igreja agradece todas as manifestações do “gênio” feminino, surgidas no curso da história, no meio de todos os povos e nações; agradece todos os carismas que o Espírito Santo concede às mulheres na história do Povo de Deus, todas as vitórias que deve à fé, à esperança e à caridade das mesmas: agradece todos os frutos de santidade feminina. Damos graças ao Senhor porque Ele conduz a sua Igreja, de geração em geração, valendo-se indistintamente de homens e mulheres, que sabem frutificar a sua fé e o seu batismo, para o bem de todo o Corpo eclesiástico, para maior glória de Deus.